A pandemia silenciosa – texto escrito em abril de 2020

Em 1928 no Hospital Santa Maria de Londres, o biólogo, botânico, médico, microbiologista e farmacologista Alexander Fleming notou pela primeira que a bactéria patogênica Staphylococcus era inibida pelo fungo Penicillium notatum. Esta observação conduziu à descoberta da penicilina.

Em 1941 começou a produção de penicilina em Londres, transferida para os EUA por causa da guerra. As empresas Merck, Squibb e Pfizer foram as primeiras a produzir penicilina, que influenciou diretamente no resultado da 2ª Guerra Mundial. Howard Florey, Ernst Chain e Alexander Fleming ganharam o Prêmio Nobel de Medicina em 1945 por suas descobertas.

Pouco tempo depois outros antibióticos foram também descobertos, como estreptomicina, cefalosporinas, vancomicina, meticilina, ampicilina e muitos outros. Até 40 anos atrás. Desde então, muito poucos novos antibióticos surgiram no mercado farmacêutico. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que entre 2003 e 2013 foram investidos 38 bilhões de dólares na pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos. Destes, menos de 130 milhões de dólares foram investidos anualmente na pesquisa de novos antibióticos no mesmo período. Este montante é menor do que o orçamento anual da FAPESP ou do CNPq.

Quase ao mesmo tempo da descoberta da penicilina se observou que bactérias patogênicas se tornam resistentes aos antibióticos. Ou seja, os antibióticos aos poucos perdem a capacidade de matar ou inibir o crescimento de micro-organismos que causam doenças. Hoje, todas as principais linhagens de bactérias e fungos patogênicos para o homem e animais já apresentam resistência a antibióticos, em maior ou menor grau. Todas.

O resultado do não-desenvolvimento de novos antibióticos, e da má utilização dos mesmos, levou a uma pandemia silenciosa, da qual pouco se fala. Atualmente mais de 1 milhão de pessoas morrem por ano em decorrência da resistência de patógenos aos antibióticos. Para se ter uma ideia, a malária causa a metade desse número de mortes, por ano.

Se nada for feito, a OMS estima que este número de mortes chegue a 10 milhões de pessoas por ano em 2050, com um prejuízo econômico global de 100 trilhões de dólares.

A pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, causador de COVID-19, já é considerada a maior desgraça de saúde humana no século 21. Mas, será que é mesmo?

Em 2016, a OMS lançou o Plano de Ação Global sobre a Resistência Antimicrobiana, com 5 objetivos: melhorar o conhecimento e entendimento profissional e de tomadores de decisões sobre a resistência antimicrobiana; melhorar a vigilância e a pesquisa sobre a resistência antimicrobiana; reduzir o grau de infecções microbianas no mundo todo; promover o uso racional de antibióticos no tratamento de humanos e animais; aumentar o investimento no desenvolvimento de novos antibióticos, diagnósticos e vacinas.

Documentos da OMS disponíveis on-line mostram que 4 anos depois tais diretrizes ainda se encontram em implementação. Infelizmente a resistência bacteriana não diminuiu nesse período.

Embora a pandemia do vírus SARS-CoV-2 esteja em total evidência, o que é absolutamente necessário, não se pode esquecer da pandemia silenciosa decorrente da resistência aos antibióticos. Caso governos não tomem providências urgentes, as consequências de tal negligência podem ser devastadoras. A resistência aos antibióticos afeta não somente doentes infectados. Antibióticos são necessários para realizar cirurgias de rotina, como cesarianas, por exemplo.

No Brasil, medidas para enfrentar o problema da resistência de patógenos aos antibióticos incluem a Normativa da Anvisa RDC nº 20/2011, que exige que antibióticos sejam vendidos somente com prescrição médica, e o estabelecimento do Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Saúde Única, de 2018, de acordo com as diretrizes da OMS de 2016. Dentre outros objetivos, foi incluído “Instituir a prevenção e controle da resistência antimicrobiana como política de estado.”

A pandemia silenciosa que resulta da resistência antimicrobiana não pode ser minimizada. O tempo para a implementação de políticas educacionais, de pesquisa, de saúde, econômicas e legais nunca é curto, e tais políticas necessitam de planejamento, organização e ação imediatos.

Ninguém imagina termos que enfrentar em breve outra pandemia, similar à COVID-19.

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Em 7 de julho de 2022, o seguinte texto foi publicado no site da Harvard Public Health:

 

Presentations of Undergraduate Students Projects and Results during the 30th SIICUSP

Recently the undergraduate students developing research projects in our group presented their projects and results during the SIICUSP annual meeting (Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP – International Symposium of Technological and Scientific Initiation of the Universidade de São Paulo), between November 30th and December 1st, 2022. All presentations were in Portuguese, and consisted of a poster presentation and of a short talk.

The student Laura Amadeu Paulino presented the work “Bioactive Metabolites
Produced by an Endophytic Actinobacteria Isolated from Anthurium urvilleanum from Alcatrazes Island“. It consisted of an extensive isolation work from ca. 70 L of culture media produced by an actinobacterium. The main compound is still under structure analysis, as a strongly conjugated metabolite presenting absorption above 400 nm, in the visible absorption window. The genome of the bacterium strain was also analyzed in order to gather information on the possible gene cluster coding for the biosynthesis of the compound isolated.

The student Cauê Arantes Wagner Zuccarino presented the work “Screening of Secondary Metabolites from Marine Sponges Collected at the Southern Coastline of Bahia State“. His work started by the collection of seven sponge species by the team of Professor Eduardo Hajdu, at the beginning of this year. Cauê prepared and fractionated the extracts from these sponges, leading to a series of fractions which were analyzed by HPLC-UV-MS and in several bioassays. Many of the fractions presented nitrogenous metabolites which also displayed anti-Plasmodial activity against Plasmodium falciparum, the parasite causative of malaria disease.

Gabriel Cóscia Junqueira presented the work entitled “Discovery of Bioactive Fungal Metabolites“. Gabriel’s work focuses the isolation of water-soluble metabolites from a biologically active extract from the culture media of a yet unidentified fungal strain. Gabriel’s work involved a series of separations of water-soluble fractions, which led to a major fraction presenting several interesting metabolites. He is currently performing the HPLC separations towards the next step: the identification of pure compounds, before analysis in different bioassays.

The student Beatriz Gabrieli Sampaio presented the work titled “Semi-Synthesis of Heteroaromatic Derivatives of (-)-Palitatin for Obtaining Bioactive Analogues“. Palitantin is a long-term known metabolite, first isolated by Penicillium palitans in the 1930’s. We found a strain that produces large amounts of (-)-palitantin. Beatriz is developing a project together with a MSc student, Pedro Martins Santucci, towards the preparation of several derivatives of (-)-palitantin for further evaluation in different bioassays.

The student Matheus Gotha presented his work entitled “Isolation and Identification of Hydrophilic Bioactive Peptaibols Produced by the Fungus Hypocrea sp.“. We found that Hypocrea sp. is a producer of a wide variety of peptaibol peptides. Fractions obtained during the fractionation of the extract of growth media displayed potent bioactivity in different bioassays. Matheus is moving towards the end of the isolation and identification process, with some very interesting results.

The projects of all students have been funded by the São Paulo State Funding Agency FAPESP, and supported by the Universidade de São Paulo. We thank the organizers of the 30th SIICUSP for the effort and hardwork to prepare a very nice and stimulating meeting for undergraduate students.

Assignment of Absolute Configuration of Known Anthraquinones

Among the new papers published by my group this year, we reported the assignment of the absolute configuration of the known fungal anthraquinones versicolorin C and versiconol. Both compounds have been first isolated several years ago. Versicolorin C was first isolated by Hamasaki and collaborators in 1967 (Agr. Biol. Chem. 1967, 31, 11) and versiconol has been first reported by the same group in 1969 (Hatsuda et al., Agric. Biol. Chem. Japan 1969, 33, 131). While there has been numerous investigations with these two compounds, their absolute configurations have never been reported.

We performed a complete spectroscopic analysis of both versicolorin C and versiconol. Moreover, the absolute configuration of both compounds have been established in collaboration with the group of Professor João Marcos Batista Jr. (Universidade Federal de São Paulo). We observed that, in the case of versiconol, the results of ECD analysis were solvent-dependent, an issue that demonstrates that such analyses should be performed with care in order to avoid stereochemical misassignments.

The complete manuscript can be assessed here.

Investigation of tetrodotoxin accumulation in the anuran Brachycephalus pitanga and its microbiome

Our latest article published in 2021 reports the investigation on the occurrence of tetrodotoxin (TTX) in the tissues of the anuran Brachycephalus pitanga and the anuran microbiome. This article results from the post-doctoral project of Dr. Luciane Alessandra Chimetto Tonon, funded by FAPESP, in collaboration with Professor Celio Haddad at the Biosciences Institute of the State University of São Paulo at Rio Claro.

Although B. pitanga is a very small animal (the size of the little finger nail), we have been able, with a small number of animals (only eight), to detect TTX in its skin and viscera. We have also isolated 80 bacteria strains. Metagenomic and genomic analysis of B. pitanga bacteria diversity indicated a unique microbiome of the animal. However, we have not been able to detect the presence of TTX in cultures of several bacteria representatives which have been cultivated and the extracted growth media analyzed by UPLC-HRMS. Read the article here.

New review in NPR – The isolation of water-soluble natural products – challenges, strategies and perspectives

This is a new review article published on line today in RSC Natural Product Reports. It was a considerable volume of work, because it results of one of my main research interests since my PhD in 1992.
During my PhD at the Université Libre de Bruxelles, under the supervision of Professor Jean-Claude Braekman and of Professor Desiré Daloze, I had the opportunity to isolate several new guanidine alkaloids from the Mediterranean sponge Crambe crambe. All compounds I isolated were water-soluble. Since then, I have a long-standing interest in the isolation of bioactive water-soluble natural products. My group have isolated several of such compounds.
This particular review is the first rather comprehensive review on this subject. It was a one-year-and-half effort together with Camila M. Crnkovic, Juliana R. Gubiani, Darlon I. Bernardi, Laura P. Ióca and Jairo I. Quintana-Bulla.
I hope you will enjoy the reading. Please, don’t forget to check out the Supplementary Information for several additional examples of water-soluble natural products belonging to distinct metabolic classes. It also includes a voluminous additional literature examples. Overall, the review has almost 2,000 references.

Read the article here.

Novel nonribosomal peptides modulate collective behavior in marine sponge derived Pseudovibrio bacteria

This article results from a fantastic team effort leaded by Professor Alessandra Eustaquio at the University of Illinois Chicago, along with her colleagues. Professor Alessandra was very kind in receiving my former PhD student Laura Ióca in her lab. Laura developed a project under Alessandra’s supervision, that enabled the discovery of modified peptides involved in Pseudovibrio and Pseudomonas motility. Laura Sanchez, Jimmy Orjala, Alec Krunic, Antonio G. Ferreira gave great contributions along with Sylvia Kunakom, Yitao Dai, Jennifer Lopez-Espinosa, Camila Crnkovic. It was a fun and great work to develop together. I am very much looking forward to soon have the opportunity to visit again the School of Pharmaceutical Sciences at the University of Illinois at Chicago. It is a great institution I visited for the first time in 2018. Read the full article here.

Para onde vamos?

Ao longo da história, mais de uma vez a humanidade se meteu em enrascadas ou se confrontou com problemas realmente sérios. Alguns exemplos recentes, de cerca de 100 anos ou menos, foram as Guerras Mundiais.

Em sua obra de 1955 Edward M. Burns discute os eventos que levaram à 1ª Guerra Mundial com base em sentimentos nacionalistas bastante radicais. Burns ressalta dois aspectos importantes a serem considerados para entender a 1ª Guerra Mundial, os imediatos e os subjacentes. Dentre os subjacentes, destaca a competição econômica entre a Inglaterra e França com a Alemanha, esta última sendo então uma potência industrial. Inglaterra e França se encontravam profundamente incomodadas com o desenvolvimento alemão. Razões geopolíticas envolvendo a Rússia, Áustria, Sérvia, Romênia, Bulgária e Grécia também são consideradas relevantes pelo autor que, todavia, assinala que questões de rivalidade econômica foram menos importantes do que questões políticas diretamente relacionadas ao forte sentimento nacionalista de várias nações.

Barraclough e Parker (1993) não apresentam uma interpretação das razões subjacentes que levaram à 1ª Guerra Mundial, a não ser por detalhes não mencionados por Burns. Por exemplo, o não-apoio da Rússia e do Império Austro-Húngaro à França, que estaria relacionado a manifestações proletárias no país francófono. A entrada dos EUA no conflito em 6 de abril de 1917 foi determinante para a vitória dos aliados contra a Alemanha, Áustria e outros países como Turquia e Bulgária, que levou ao fim do Império Austro-Húngaro, do Império Otomano e, por outro lado, aos movimentos revolucionários na Rússia.

Burns, assim como Barraclough e Parker, consideram o fim da 1ª Guerra como a entrada na era moderna. Poincaré era presidente da França, o primeiro-ministro inglês era David Lloyd George, o presidente dos EUA Woodrow Wilson e Wilhelm II imperador da Alemanha, que abdicou. Vladimir Ilyich Ulianov (Lênin) assumiu o poder da Rússia em 1917. Em 1919 Wilson recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Paz que, infelizmente, não durou muito. Foi preciso uma 2ª Guerra Mundial para que os ânimos se arrefecessem um pouco mais na Europa.

No fim da 1ª Guerra Mundial o mundo também teve que enfrentar a pandemia de gripe espanhola que, estima-se, tenha infectado 500 milhões de pessoas das quais entre 17 e 100 milhões morreram. Uma das hipóteses para se explicar o fim da gripe espanhola é que o vírus tenha sofrido uma mutação com significativa perda de letalidade. A varíola era outra doença de origem viral ainda muito presente no fim do século 19 e que só foi completamente erradicada em 1980.

Segundo o Professor Hernan Chaimovich da USP, guerras e pandemias apresentam suas similaridades, com uma diferença: nas pandemias virais os humanos têm como inimigo um vírus que mata indiscriminadamente. Pode-se acrescentar que, embora guerras permitam diferentes interpretações históricas, pandemias virais apresentam um padrão científico mais preciso em termos de natureza, infecção, disseminação e tratamento, mesmo que essas características sejam difíceis de serem conhecidas. O entendimento e interpretação de fatos históricos por vezes e por certo podem variar, dentro dos limites aceitos pela ciência; no caso de infecções virais, variações podem ocorrer mas serão cada vez melhor compreendidas com o tempo. Foi justamente isso que possibilitou a erradicação da varíola e outras viroses severas, como a poliomielite, a catapora (varicela), caxumba, coqueluche, meningite, sarampo, e outras.

O tratamento de doenças virais com vacinas é um dos triunfos do desenvolvimento das ciências médicas nos últimos mais de 100 anos, que fez com que a expectativa de vida média dos humanos passasse de menos de 50 anos no final do século 19 para quase 80 anos atualmente. Se o líder de uma nação sofresse uma facada no final do século 19 como Bolsonaro sofreu durante a campanha presidencial de 2018, seu destino estaria rápida e definitivamente determinado, pois ainda não existiam antibióticos, as técnicas cirúrgicas ainda eram primitivas, hábitos de higiene estavam começando a se consolidar e o número de medicamentos era limitado.

Guerras e pandemias têm outra característica comum para serem enfrentadas: é preciso lideranças capazes com um exército de profissionais competente e inteligente, em todos os níveis hierárquicos. Não bastam destemidos e bem armados soldados se seus superiores não conseguem lhes coordenar de forma a enfrentar o(s) inimigo(s) na guerra. Também não bastam generais e coronéis muito bem capacitados se seus subordinados são mal preparados e não entendem as ordens superiores. O enfrentamento de pandemias igualmente necessita de profissionais competentes em todos os níveis.

Ambas situações têm um objetivo comum: proteger a população. Para tal, tanto em uma situação quanto em outra a população deve ser bem instruída como proceder diante de situações mais ou menos críticas quando em guerra ou sob uma pandemia. De outra forma, a guerra contra o inimigo será infrutífera, pois a população se torna seu próprio adversário.

O Professor Chaimovich menciona que o inimigo pode estar entre nós, se os responsáveis por enfrentar inimigos externos nas guerras e pandemias não têm capacidade para fazê-lo. O pior são governos que confundem a própria população, e a tornam incapaz de entender quais são os verdadeiros oponentes, se vírus ou ignorância.

Para além de guerras e pandemias, deveríamos refletir seriamente sobre o que nos reserva o futuro. Lideranças muito bem preparadas, profissionais competentes em todos os níveis, e uma população esclarecida, bem educada e socialmente muito bem estruturada são os fundamentos de democracias de sucesso. Democracias estas que conseguem enfrentar e resolver seus problemas, por mais complexos e diversos que sejam.

Mais do que nunca o Brasil precisa se conhecer muito melhor, amadurecer e se inserir no século 21 como nação. Para isso não bastam cartas de intenções, manifestos e reuniões de notoriedades, ainda que com os melhores propósitos. Embora um problema específico exija resolução imediata – a COVID-19 – problemas maiores só poderão ser enfrentados com tempo. Para tanto, mais do que nunca é necessário que se construa um projeto de país. Não é uma tarefa simples. Mas a realidade atual demonstrou mais do que nunca que, sem um projeto de país, não será possível o Brasil enfrentar seus muitos problemas.

Cabe então a reflexão: a quem de direito, construir esse projeto? Somente políticos e empresários? Não seria necessário engajar outros vários atores neste propósito tendo em vista que políticos e empresários representam uma fração ínfima da sociedade?

Se por um lado a pandemia evidenciou que a ciência é imprescindível para seu enfrentamento, por outro lado ainda não ficou claro para a sociedade o poder do conhecimento para entender e enfrentar outros problemas igualmente complexos, que estão presentes. Tendo em vista a urgência em se resolver questões que podem necessitar mais ou menos tempo, é importante que a construção de um projeto de nação inclua diferentes setores da sociedade, especialmente “minorias” que, na verdade, muitas vezes são maiorias.

Definir minorias como tal depende de quem as define. Além do mais, o termo traz consigo certa conotação de desimportância. Porém, existem minorias que o são, de fato, minorias, mas nem por isso menos importantes, muito pelo contrário. Por exemplo, professores e pesquisadores.

Desnecessário discutir a importância de professores, sendo este um assunto tão presente na realidade calamitosa da educação brasileira.

Sobre a importância de pesquisadores seria necessário escrever outro artigo sobre. Contudo, basta mencionar o planejamento de investimento em ciência para 2021 e além de governos de diversos países: Reino Unido, França, EUA, países escandinavos, Japão, Argentina, África do Sul, Países Baixos, Alemanha, e outros. O aumento de orçamento de países desenvolvidos para as atividades de pesquisa mais do que evidencia o novo status que a pesquisa científica atingiu no período da pandemia. Seria bom se também fosse verdade no Brasil.

Não é mais possível ter um país tão fragmentado, pois essa divisão impede o país de avançar e se inserir no século 21. Em uma verdadeira democracia sociedade e governantes devem abertos ao diálogo, construir pontes e não muros. Para isso, trazer para o debate aqueles que se debruçam sobre a resolução de problemas como a principal atividade de suas vidas – professores e pesquisadores – é absolutamente necessário. Somente uma construção de projeto de país verdadeiramente colaborativa poderá responder à pergunta: para onde vamos?

Biblio

Burns, E. M. Western Civilizations: their history & their culture, 1955.

Barraclough, G. & Parker, G. The Times Atlas of World History, 1993.

APPROVED NEW THEMATIC GRANT FUNDED BY FAPESP

Anunciamos a aprovação pela FAPESP de financiamento de projeto temático por um período de cinco anos a partir do início de 2021, “A Função da Química na Adaptação de Holobiontes”.
Um holobionte é constituído por um hospedeiro e toda a sua comunidade ecológica de micro-organismos associados. Uma característica ainda pouco compreendida é a função de metabólitos secundários em relações micro-organismos/hospedeiro, bem como em interações mediadas quimicamente entre holobiontes (o conjunto micro-organismos-hospedeiro) e o ambiente.

A: Tambja brasiliensis alimentando-se de Virididentula dentata; B: Tambja stegosauriformis alimentando-se de V. dentata; C: Roboastra ernsti predando T. stegosauriformis.

Durante o desenvolvimento do projeto objetiva-se investigar:
– aspectos selecionados à química de esponjas marinhas e como a química influencia no sucesso evolutivo de esponjas marinhas;
– como micro-organismos estão envolvidos na transferência de metabólitos entre presas e predadores no ambiente marinho;
– a química de grupos selecionados de invertebrados marinhos e de micro-organismos associados a invertebrados e plantas, com o objetivo de obter novos produtos químicos bioativos;
– explorar a química e a biologia de compostos farmacologicamente ativos já obtidos e identificados, a fim de sintetizar quimicamente compostos com atividade mais potente e seletiva e estruturalmente menos complexos, com o objetivo de explorar a biologia desses compostos em células cancerígenas, bem como em doenças infecciosas parasitárias e microbianas;
– investigar a biossíntese de grupos selecionados de metabólitos de micro-organismos, com o objetivo de desvendar clusters de genes e enzimas envolvidas nas etapas de biossíntese e propor modificações estruturais utilizando bioengenharia genética, objetivando melhorar a atividade biológica dos compostos investigados;
– desenvolver uma abordagem para a seleção automatizada de microrganismos.
O objetivo final é responder a perguntas desafiadoras, de maneira a avançar no conhecimento da adaptação de holobiontes e explorar substâncias químicas úteis que influenciam a adaptação dos holobiontes e que resultam do sucesso dos holobiontes na Natureza.
Alunos de todos os níveis são convidados a entrar em contato com qualquer membro da equipe para participação no projeto como pesquisadores de iniciação científica, mestrado, doutorado ou de pós-doutorado. Aceitam-se candidaturas para bolsas financiadas pela Agência de Financiamento do Estado de São Paulo (FAPESP).

We announce the approval of a FAPESP-funded thematic grant project for a five years period, “The Role of Chemistry in Holobiont Adaptation”.
A holobiont is constituted by a host and its whole ecological community of associated microbes. It is a unit of evolution, and the holobiont selection is a major evolutionary force. One feature which it is still poorly addressed is the role of secondary metabolites in microbes-host relationships, as well as in chemically mediated interactions between holobionts (the microbes-host ensemble) and the environment.
In this proposal, we aim to investigate:
– selected aspects of marine sponge holobiont chemistry and how the chemistry is implied in marine sponge success;
– how microbes are involved in chemistry transfer from preys to predators in the marine environment;
– the chemistry of selected groups of marine invertebrates and of microbes associated with invertebrates and plants, aiming to obtain novel bioactive chemicals;
– to further explore the chemistry and biology of already obtained lead compounds, in order to design more active and structurally less complex bioactive scaffolds, aiming to further explore the pharmacology of these compounds related to cancer as well as to parasitic and microbial infectious diseases;
– to investigate the biosynthesis of selected groups of microbial metabolites, in order to unveil gene clusters and enzymes involved in biosynthetic steps and to envisage bioengineered structural modifications to improve biological activity;
– to develop an unprecedented approach for the automated selection of microorganisms.
The ultimate aim is to answer challenging questions, in order to advance the knowledge of holobionts adaptation, and to explore useful chemicals that influence holobionts adaptation and that result from holobionts success in Nature.
Students of all levels are invited to contact any member of the team for supervision and participation as Undergraduate Investigators, MSc and PhD students or as post-doctoral researchers. Applications to scholarships funded by the São Paulo State Funding Agency (FAPESP) are welcome.

Equipe de Pesquisadores do Projeto (Research Team)
Coordenação (Lead PI): Roberto G. S. Berlinck (Instituto de Química de São Carlos, USP)
Antônio G. Ferreira (Departamento de Química, UFSCar)
Camila M. Crnkovic (Faculdade de Ciências Farmacêuticas, USP)
Danilo C. Miguel (Instituto de Biologia, UNICAMP)
Eduardo Hajdu (Museu Nacional, UFRJ)
Rafael Guido (Instituto de Física de São Carlos, USP)
Fernanda F. Cavalcanti (Departamento de Biologia, UFBA)
Fernanda Gadelha (Instituto de Biologia, UNICAMP)
Leandro M. Vieira (Departamento de Zoologia, UFPE)
Marcelo Brocchi (Instituto de Biologia, UNICAMP)
Igor D. Jurberg (Instituto de Química, UNICAMP)
Raquel A. dos Santos (UNIFRAN)
Ricardo M. Marcacini (Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação, USP)
Ronaldo A. Pilli (Instituto de Química, UNICAMP)
Rosana M. Rocha (Departamento de Zoologia, UFPR)
Severino M. Alencar (ESALQ, USP)
Simone P. Lira (Departamento de Ciências Exatas, ESALQ, USP)
Solange Rezende (Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação, USP)
Taicia Fill (Instituto de Química, UNICAMP)
Tiago Venâncio (Departamento de Química, UFSCar)
Vinicius Padula (Museu Nacional, UFRJ)

Colaboradores Internacionais (Internacional collaborators)
Alessandra S. Eustáquio (College of Pharmacy, University of Illinois, Chicago, USA)
Andréa Dessen (Institut de Biologie Structurale, Grenoble, França)
Daniel Romo (Department of Chemistry, Baylor University, USA)
George Chlipala (Associate Director, Research Informatics Core, Research Resources Center, University of Illinois at Chicago, USA)
Gustavo E. A. P. A. Batista (School of Computer Science and Engineering, University of New South Wales, Sydney, Australia)
Mark Maienschein-Cline (Director, Research Informatics Core, Research Resources Center, University of Illinois at Chicago, USA)
Raymond J. Andersen (Department of Chemistry and Department of Ocean, Earth and Atmospheric Sciences, University of British Columbia, Vancouver, Canada)
Roger Linington (Department of Chemistry, Simon Fraser University)
Stefan J. Green (Director | Sequencing Core, Associate Director | Research Resources Center, Affiliate Assistant Professor | Department of Biological Sciences, University of Illinois, Chicago, USA)

Ataques à ciência dão errado

A ciência é um conjunto institucionalizado de práticas de conhecimento, não um sistema filosófico.

O texto a seguir é uma tradução do texto “What Attacks on Science Get Wrong – Science is an institutionalized set of knowledge practices, not a philosophical system” publicado no The Chronicle of Higher Education em 9 de dezembro de 2020, de autoria de Andrew Jewett.

Andrew Jewett é autor de Science, Democracy, and the American University: From the Civil War to the Cold War (Cambridge University Press, 2012). Estudou em Harvard, Yale, New York University, Vanderbilt, e no Boston College. Teve bolsas de estudos do National Humanities Center, do Cornell Society for the Humanities, do National Academy of Education, e do American Academy of Arts and Sciences. Esse texto é adaptado do último livro de Jewett, Science under Fire: Challenges to Scientific Authority in Modern America (Harvard University Press).

Em 2013, eclodiu outra longa linha de disputas sobre o cientificismo. Leon Wieseltier, editor literário do The New Republic, disse aos formandos em humanidades em uma cerimônia de formatura da Universidade Brandeis que eles representavam “a resistência” em uma sociedade dominada pelos “imperialismos gêmeos da ciência e da tecnologia”. Wieseltier mencionou os temas familiares de ataque à ciência – a escravidão dos seres humanos às máquinas, a tirania dos números, as depredações do “tecnologismo”, o domínio incontestável da “utilidade, velocidade, eficiência e conveniência” na cultura moderna. O antídoto, afirmou ele, são as humanidades.

O psicólogo evolucionista Steven Pinker respondeu. Humanistas petulantes, acusou ele, dão boas-vindas à ciência quando ela cura doenças, mas não quando ela atinge seu feudo profissional. A marcha da ciência e do Iluminismo melhorou imensamente a condição humana. Apenas a ciência, insistiu Pinker, poderia abordar “as questões mais profundas sobre quem somos, de onde viemos e como definimos o significado e o propósito de nossas vidas”. Os estudiosos das ciências humanas permaneceriam irrelevantes até que adotassem o humanitarismo cientificamente informado que constituía a “moralidade de fato” do mundo moderno. A controvérsia que se seguiu se estendeu por aquele verão e outono.

Hoje, uma pandemia global atinge o mundo. As sociedades enfrentam questões imediatas, práticas, de vida ou morte, sobre como incorporar ciência e perícia em suas decisões coletivas. E, no entanto, os velhos refrões ainda podem ser ouvidos. O comentarista conservador Sohrab Ahmari argumentou que “a ideologia do cientificismo” mergulhou o mundo em “um funk meio-milênio”. Diante de um vírus mortal, escreveu Ahmari, os modernos não entendem por que “vale a pena viver e passar adiante”; eles não podem nem mesmo afirmar que “ser é preferível a não ser”. Pinker voltou a entrar na conversa, argumentando que as decisões políticas que favorecem o bem-estar econômico em vez da saúde física refletem a “ilusão maligna” da “crença na vida após a morte” dos evangélicos, que “desvaloriza vidas reais”.

E assim este padrão cansativo de décadas de disputas continua. Amargas controvérsias públicas giram em torno de mudanças climáticas, design inteligente, alimentos geneticamente modificados, vacinas, mineração de dados e dezenas de outras questões. Em resposta, os críticos culturais reiteram suas posições familiares – geralmente o lamento de que uma ciência sem alma domina a vida moderna ou o medo de que uma onda crescente de irracionalidade faça com que a humanidade retorne à idade das trevas. As abstrações proliferam, à medida que comentaristas invocam a ciência, o cientificismo, o racionalismo, o Iluminismo, as humanidades, o humanismo, a religião, a fé, a irracionalidade, o Ocidente e a modernidade.

Essas abstrações em grande escala provaram ser extremamente inúteis. Cada um dos problemas que enfrentamos tem seus próprios contornos distintos, suas próprias inter-relações complexas entre ciência e normas sociais, práticas e instituições. Apesar das declarações inflamadas dos combatentes e das preocupações dos espectadores, o empreendimento científico como um todo não está em jogo nos debates sobre vacinação, engenharia genética ou mudança climática. Em vez disso, essas controvérsias envolvem descobertas científicas específicas, teorias, técnicas, dispositivos e práticas, conforme se relacionam com valores profundamente arraigados (e muitas vezes diretamente conflitantes) de muitos grupos diferentes.

Teremos dificuldade para abordar as questões incômodas do século 21 se continuarmos a usar as ferramentas interpretativas dos séculos 19 e 20. Essas ferramentas foram forjadas na polêmica entre as elites culturais conflitantes sobre a extensão da ciência a novos domínios – primeiro na história da vida na Terra e depois nas relações humanas – e seu lugar em escolas e faculdades. As injunções gerais para colocar nossa confiança na ciência, ou religião, ou humanidades, ou qualquer outra estrutura ampla, oferecem pouca orientação sobre como responder às possibilidades sociais levantadas por inovações científicas específicas.

Em meados do século 20, uma grande variedade de líderes religiosos, juntamente com estudiosos das humanidades, conservadores políticos, muitos cientistas e grupos de cientistas sociais dissidentes e progressistas seculares, atribuíram os problemas do mundo moderno a uma difamação moral generalizada. Atribuíram esse problema, por sua vez, a tentativas equivocadas de aplicar métodos científicos ao domínio moralmente carregado da ação humana. As imagens resultantes da ciência como uma força eticamente impotente e culturalmente ameaçadora influenciaram as revoltas da década de 1960, que reforçaram poderosamente a associação da ciência com uma forma tecnocrática de liberalismo. Embora os contornos dessas imagens tenham mudado desde então, elas ajudam a explicar por que muitos americanos vêem a ciência moderna como uma presença cultural estranha, apesar de suas associações igualmente fortes com o progresso tecnológico e o crescimento econômico.

Os desafios à autoridade científica que circularam nos Estados Unidos desde os anos 1920 não estão todos errados. A ciência é um empreendimento confuso e totalmente humano, que não aborda e não pode abordar muitas das questões sociais e morais que enfrentamos. Mas muitos críticos vincularam esse ceticismo apropriado a afirmações extravagantes sobre as ambições dos cientistas para o futuro e a influência no presente.

Apesar de todos os seus insights, a ‘esquerda acadêmica’ de hoje também herda muitos desses maus hábitos interpretativos. Na década de 1980, os pós-estruturalistas argumentaram que a mudança social exigiria o desmantelamento não apenas da visão de mundo predominante, mas também do sentimento subjacente de que uma visão de mundo funcionaria para todos. Não houve respostas finais, apenas pessoas em conflito, travando suas lutas em domínios que iam desde os mais altos níveis de abstração filosófica até as formas mais básicas e mundanas de atividade diária.

Os ataques pós-estruturais aos valores universais propostos pela geração do pós-guerra ampliaram-se para uma crítica à ideia de universalidade. As reivindicações de universalidade eram consideradas meramente como representações de exercícios de poder. A campanha contra o universalismo identificou a ciência como uma espécie de metáfora, uma arma excepcionalmente potente para desarmar aqueles que resistiriam a outras operações de poder. Isso influenciou muito a maneira como os estudiosos pensavam sobre a ciência e seus significados sociais no final do século XX. As concepções foucaultianas de “poder / conhecimento”, a rejeição do essencialismo e universalismo e as afirmações do pós-estruturalismo sobre a centralidade do conflito convergiram em um desafio total à compreensão convencional da ciência.

Esses compromissos moldaram a ‘esquerda acadêmica’ à medida que sua influência cresceu nas décadas de 1980 e 1990. Novos estilos de crítica se juntaram aos antigos, e os pós-estruturalistas negaram que qualquer um pudesse alcançar o que o filósofo Thomas Nagel chamou de “visão de lugar nenhum” e a estudiosa feminista Donna Haraway chamou de “truque de deus”. Mesmo as formas de objetividade de baixo para cima adotadas por muitos marxistas e feministas na veia de Sandra Harding entraram em conflito com essa crítica. Haraway procurou fundamentar a capacidade de um insight genuíno em pontos de vista autoconscientemente parciais. Sem uma estrutura única e libertadora disponível, argumentou ela, uma série de “conhecimentos situados” ofereceu a única alternativa para a falsa objetividade da ciência dominante.

À medida que a presunção de universalidade – e, portanto, de uma estrutura moral comum – desapareceu, uma nova ênfase na diferença prevaleceu na ‘esquerda acadêmica’. “A cosmovisão pós-moderna acarreta a dissipação da objetividade”, escreveu Zygmunt Bauman, com “a lenta erosão do domínio outrora desfrutado pela ciência sobre todo o campo do conhecimento (legítimo)”, levando ao surgimento de múltiplos sistemas de verdade concorrentes.

Há muito a ser dito sobre esses relatos. Como tantos críticos antes deles, no entanto, os teóricos pós-estruturais muitas vezes vincularam os argumentos do senso comum sobre o caráter e os limites do conhecimento científico a retratos abrangentes e redutivos de sua influência hegemônica no mundo moderno. Eles afirmaram que a ciência como um todo reivindica a capacidade de responder a todas as perguntas e resolver todos os problemas. Eles também afirmaram que a ciência reina suprema nas sociedades modernas, determinando os contornos básicos de nosso pensamento. Finalmente, eles atribuíram uma série de problemas sociais específicos à influência cultural da ciência. Ao fazer isso, eles ecoaram gerações de críticos religiosos, humanistas e conservadores com visões sociais muito diferentes das suas.

A segunda dessas suposições – que a ciência dá o tom da cultura moderna – ancora o resto do argumento e merece um exame especial. Se a ciência não é culturalmente dominante, então ela não pode ter causado a ladainha de males atribuídos à ela. A ciência é realmente tão influente? Ou devemos culpá-la instintivamente? O que, exatamente, é científico sobre o nosso mundo?

Nos Estados Unidos, a ciência desempenha funções públicas importantes. Biólogos e físicos exercem formas de autoridade em tribunais que líderes religiosos e críticos literários não possuem. O Federal Reserve baseia-se em especialistas econômicos, não na Bíblia ou em Melville. A Agência de Proteção Ambiental segue sugestões das ciências naturais, o Departamento de Educação das ciências sociais. As escolas públicas de ensino médio podem ensinar darwinismo, mas não criacionismo ou design inteligente. Olhando para esses casos, podemos concluir que a ciência desfruta de uma posição privilegiada única na cultura pública americana.

No entanto, outros especialistas também compartilham desses privilégios. Contamos constantemente com o conhecimento de historiadores, jornalistas, juristas e testemunhas oculares, entre outros, embora não consideremos seu trabalho científico. A posição elevada da ciência acaba sendo em parte uma questão de exclusão seletiva: de acordo com a Primeira Emenda, as instituições públicas nos Estados Unidos se abstêm – com ou sem razão, de forma consistente ou inconsistente – de tratar os princípios teológicos como verdades estabelecidas. Enquanto isso, mesmo os mais fervorosos defensores da literatura e das artes raramente afirmam que oferecem formas de conhecimento que devem ser usadas em tribunais ou em decisões políticas.

Ironicamente, o distanciamento das instituições públicas das religiosas tornou muito mais fácil para os críticos religiosos e humanistas se posicionar contra a ciência, embora esse posicionamento às vezes tenha prejudicado a capacidade de encontrar uma audiência. À medida que as comunidades religiosas se tornavam mais tolerantes umas com as outras, o inimigo comum – antigamente paganismo, agora materialismo, naturalismo ou secularismo – apresentava um alvo óbvio. Certamente, continua o pensamento, as instituições seculares resultam de filosofias seculares, e certamente a ciência produz essas filosofias. À medida que os cientistas aumentavam suas afirmações de neutralidade de valor, mais e mais críticos traçavam uma conexão causal. A ciência, eles argumentaram, trouxe à tona um mundo dominado por valores superficiais e materialistas, por uma mentalidade puramente instrumental que obscurece a própria existência de valores, ou talvez pelos valores de um grupo social hegemônico, pintado com o pincel da neutralidade.

É realmente verdade, entretanto, que as instituições e práticas seculares refletem o domínio cultural da ciência? Alguns países testemunharam a imposição ativa de visões de mundo “científicas” por regimes militantes seculares. No entanto, mesmo em tais casos, o conjunto institucionalizado de práticas de conhecimento que constituem a ciência não se alinhava necessariamente com as filosofias que marchavam sob sua bandeira. Nos Estados Unidos, as relações entre ciência, filosofia e secularização têm sido especialmente complexas e indiretas. É uma simplificação grosseira afirmar, como disse o estudioso de estudos religiosos Huston Smith, que a ciência “criou nosso mundo”. Ou ainda, como manifestou Alasdair MacIntyre, que a vida social contemporânea é em grande parte “a reencenação concreta e dramática da filosofia do século 18. ”

Muitas características do mundo moderno são seculares, mas não científicas. Direito, burocracia, capitalismo, consumismo, jornalismo, educação, esportes: essas esferas, como muitas outras, refletem em parte o declínio do controle das instituições religiosas. Mas eles não compartilham um único fundamento filosófico comum com a ciência. Como todas as formações sociais, cada uma toma muito de sua forma a partir de traços humanos antigos e de conflitos entre grupos específicos. E cada um, por sua vez, gera um conjunto distinto de suposições, valores e comportamentos culturais.

Isso não quer dizer que as pressuposições fundamentais sejam irrelevantes. A maioria das práticas e instituições no Ocidente moderno parecem inúteis ou mesmo prejudiciais para aqueles que presumem que uma divindade determina nossa sorte mundana, que nossas ações terrenas importam principalmente em relação ao nosso destino de outro mundo, ou ambos. Os padrões típicos de esforço nas sociedades modernas se encaixam muito melhor com a visão de que o bem-estar terreno de uma pessoa reflete em grande parte as ações terrenas de uma pessoa, e que essas ações importam principalmente por esse motivo.

Embora a difusão dessa ênfase no aqui e agora tenha tido grandes consequências, ela não é secular nem científica em si. Claro, isso é típico entre não teístas, embora alguns considerem a ação humana essencialmente sem sentido. Mas também se adapta a uma ampla gama de entendimentos religiosos, mesmo quando entra em conflito com outros. Na verdade, um dos pontos de discórdia em muitos debates em torno da ciência e da modernidade é a legitimidade dessas formas comparativamente mundanas de religião.

Existem questões importantes em jogo aqui, com consequências reais. Existe um Deus que intervém em nossos assuntos? Nosso sistema educacional deve enfatizar a biologia, a literatura ou a Bíblia? As respostas são muito importantes. Mas a forma como estruturamos nossos argumentos também é importante. É injusto e socialmente prejudicial empurrar todos os resultados da fragilidade humana para os livros de nossos oponentes. Essa abordagem gera ressentimento e desconfiança, incluindo ceticismo em relação aos nossos próprios programas culturais quando fica claro que exageramos os efeitos do mundo real das perspectivas concorrentes – e que a nossa perspectiva também não é a cura para as fraquezas humanas.

Enquanto isso, procurar enxergar os problemas sociais até as divergências filosóficas nos deixa incapazes de abordar esses problemas por conta própria, tanto por representar erroneamente suas causas principais quanto por nos convencer de que devemos confrontar nossos conflitos intelectuais antes de podermos tomar medidas significativas. Sem exagerar o grau de terreno compartilhado, devemos trabalhar para construir coalizões onde for possível, mesmo se acreditarmos que nossas próprias opiniões irão brilhar no final. Muitas das ideias que moldam profundamente o comportamento social – ideias sobre igualdade racial, por exemplo, ou a necessidade de regulamentação econômica – ultrapassam as perspectivas religiosas e seculares. Nossos padrões concorrentes de apologética não devem impedir a ação coletiva nessas áreas.

Os apologetas da ciência, como seus críticos, muitas vezes foram a extremos absurdos para desacreditar as visões de mundo que consideravam prejudiciais. Mas aqui é importante distinguir entre a ciência como um conjunto de práticas e instituições e as filosofias que vieram com seu nome. Os críticos da ciência costumam dar o passo salutar de diferenciar a ciência das filosofias do materialismo, naturalismo, positivismo e assim por diante. Mas fazem isso de uma maneira que coloca práticas científicas altamente valorizadas em seu próprio lado da linha filosófica e culpa os males do mundo em perspectivas orientadas para a ciência. Seria sensato adotar uma abordagem mais justa.

Tal abordagem insistiria em níveis diferenciados de análise. Há três histórias distintas a serem contadas: uma sobre os papéis sociais das práticas e descobertas científicas, uma segunda sobre as trajetórias e emaranhados de filosofias inspiradas na ciência e uma terceira sobre o desenvolvimento de padrões e instituições seculares. Insistir nessa diferenciação não é afirmar que a ciência é intrinsecamente pura, operando em glorioso isolamento do mundo humano. No entanto, distinguir entre ciência, filosofia e o secular, em vez de confundi-los, nos permitiria entender seus emaranhados históricos mais claramente – e lidar com mais eficácia com as implicações da pesquisa empírica em nossos dias.

Com o tempo, uma avaliação mais generosa e matizada da ciência pode nos ajudar a libertar os pesquisadores das afirmações extravagantes de desinteresse que envolvem seu trabalho. Não são apenas suas reivindicações, mas também os argumentos e ações de muitos outros grupos que aprisionaram os cientistas na jaula da absoluta neutralidade de valor. Os críticos frequentemente declaram que a ciência evita considerações de valor, a fim de culpá-la por isso. Alguns até afirmam que a ciência genuína fornece conhecimento absolutamente certo – não modelos, nem probabilidades, nem cálculos de risco – e deve fazê-lo antes de agirmos sobre ela. A maioria de nós é cúmplice de uma versão disso: quando confrontados com pesquisas de que não gostamos, exigimos que os pesquisadores em questão demonstrem seu completo desinteresse antes de levá-los a sério.

Esse ciclo deve ser quebrado se quisermos reconhecer a ciência pelo que ela realmente é: uma prática inteiramente humana como qualquer outra, mas que produz resultados notáveis. Em vez de argumentar que a validade da ciência depende da neutralidade pessoal de pesquisadores individuais, poderíamos aprender a valorizar as descobertas científicas por sua confiabilidade. Na verdade, poderíamos melhorar os procedimentos científicos adicionando novos recursos, como a participação do cidadão, para ajudar a garantir a confiabilidade dos resultados. Isso pode ser impossível se os críticos continuarem a ver a ciência como uma presença cultural monstruosa e culpá-la pelas falhas da humanidade, em vez de simplesmente avaliar seus pontos fortes e fracos. É hora de superar a polêmica, reconhecer que a ciência é uma característica central de nosso mundo e decidir o que faremos com ela.
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Veja o que dizem pesquisadores da NASA sobre a possível capacidade da ciência de entender tudo.

 

 

Guanidine alkaloids reverse the fluconazole resistance phenotype mediated by Pdr5p transporter on Saccharomyces cerevisiae

Five years ago, Dr. Mario F. C. Santos performed a detailed investigation of the chemistry of the marine sponge Monanchora aff. arbuscula, collected in Cabo Frio, Rio de Janeiro state. Dr. Mario isolated a series of guanidine secondary metabolites, among which batzelladine D (1) and norbatzelladine L (2) were two of the major alkaloids. This first chemical investigation resulted in the discovery of several new alkaloids, along with the total synthesis of monalidine and the report of anti-leishmanial and anti-Chagas disease activity of these compounds. These first results have been published in the Journal of Natural Products.

 

 

More recently the group of our collaborator at the Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor Antonio Ferreira-Pereira, investigated the antifungal mechanism of action of batzelladine D (1) and norbatzelladine L (2). His research group demonstrated that both alkaloids 1 and 2 reverse the fluconazole resistance phenotype mediated by Pdr5p transporter on Saccharomyces cerevisiae. Both alkaloids were able to chemosensitize the Pdr5p-overexpressing strain by synergistic interaction with fluconazole, and also showed inhibitory effect on the catalytic activity and on the intracellular accumulation of rhodamine 6G, with no significant in vitro mammalian cells toxicity. These results have been recently published in the journal Bioorganic Chemistry, and can be read here.